“Existirmos: a que será que se destina?”
Seria hoje a última gota da minha cura?
De forma alguma, é “apenas” a última gota da quimioterapia.
Apenas?
Mais um dos meus tantos remédios. Remédio amargo.
Pra mim, fazer quimioterapia é como um processo de luto. Dual. Uma montanha russa, imprevisível, inconstante e selvagem. Amarga e doce.
Um dia estou bem, com energia, disposta a falar, ouvir, trabalhar e encontrar pessoas. No outro, largada no sofá, sem ânimo e sem paciência.
Um dia, ela traz esperança, no outro, as leva embora rapidamente com alguma intercorrência.
A cada manhã, uma alegria enorme por mais um dia, a cada manhã, uma pequena e nova tristeza ao perceber mais mudanças no meu corpo. Cabelo, cílios, sobrancelha, unhas, pele; força, agilidade, equilíbrio e memória. Tem dias que a gente prefere desviar do espelho. E tudo bem.
Quimioterapia não é fácil: pra mim, são pequenas mortes diárias emaranhadas em um ser humano que geralmente quer viver - e quer viver muito. A cada dia mais. Não adianta brigar com ela. Tem que ter paciência e devagarinho os nós se desfazem.
Com o tempo, esse processo ambivalente, que oscila entre o medo e a esperança, entre o “tá doendo e tá sarando“ vai ocupando menos espaço nos meus dias. A gente perde, mas a gente ganha muito também. A gente ressignifica, recalcula rotas, aprende a pedir ajuda, conhece pessoas incríveis, faz novos vínculos e estabelece novas conexões que dificilmente existiriam se não existisse a doença.
A gente ama intensamente e estabelece prioridades. Se vê consciente e cheia de propósito. Mas mesmo assim, ela não deixará saudade.
E você pode me perguntar agora, mas e a cura, Paula?
Pra mim, a cura tá aí, tá aqui, a cura é diária. Pra mim, novamente, ela não é estabelecida automaticamente após o termino da quimioterapia, também não é estabelecida após 5 anos de remissão, vai muito além da medicina e de métricas pré-estabelecidas (me desculpem os oncologistas, que adoram esses números, rsrs).
Ela é individual, intransferível e multidimensional.
Obrigada a todas e todos que estiveram ao meu lado nesses 118 dias. Certamente, sem vocês seria muito mais difícil. Estou orgulhosa da gente.
Afinal, o que é cura pra você?