Estive na exposição imersiva da Frida Kahlo poucos dias antes da 2a. cirurgia de reconstrução da mama (uma cirurgia que duraria cerca 6h e envolveria a dolorida rotação muscular) que exigiria coragem, paciência, imobilidade do braço por um período, auxílio e repouso. Fui à exposição para me distrair um pouco com minhas sobrinhas e, mesmo conhecendo a obra da artista, senti-me tomada por uma das partes em que há uma projeção da Frida, na cama, conectada, naturalmente, a outros elementos - certamente um diálogo com a obra "Hospital Henry Ford" (1932).
Fiquei pensando muito sobre o quanto ela resistiu e o quanto sua mente criativa produziu nesse processo de solidão e de dor intensa e profunda, passando grande parte do tempo acamada. Em algum momento da vida, Frida disse que, ao fim do dia, podemos aguentar muito mais do que pensamos que podemos. Será?
Frida foi flor e dor. Aqui faço uma rima pobre de palavras, mas bastante rica na soma de sentidos. Pintou flores para que não morressem e pintou sobre suas dores para que sobrevivesse. Entre tantas intensidades, em alguma medida, em algum ponto, dialogo com ela, principalmente quando, em repouso, me vejo em (re)construção, aguardando, em meu corpo, pacientemente e literalmente, a conexão dos pontos, da pele, dos movimentos.
Para uma mulher, o corpo dói em vários níveis. O corpo feminino em natural processo de construção traz, nos poros, muitas crenças e enfrentamentos. Em reconstrução, pós câncer, soma resiliência, coragem e desapego. Entretanto, ainda na perspectiva de Frida, amuralhar o próprio sofrimento é arriscar que ele te devore desde o interior. Nesse sentido, sua arte não permitiu muros e isolamento. O seu olhar a fez ter asas além dos pés e se ver plural conectando-se com o mundo e as coisas a partir da sua cama e repouso forçado.
A sua arte e as cenas surreais a salvaram em diferentes camadas. Foi fácil? A partir de sua biografia, creio que não. Contudo, feminista e revolucionária, permitiu-se ser sua própria musa e rir, pq, para ela, rir sempre foi fortaleza. Concordo! Escolho ser musa e riso na minha reconstrução, mesmo que, por vezes, ainda doa. 🩷