Cheguei aos 44 anos vivendo os reflexos de uma das maiores viagens da minha vida: o câncer. Sempre gostei de lembrar, nos aniversários, os sonhos realizados ou os roteiros escolhidos, mas o roteiro de agora, indesejado, não tem sido fácil e escolhi falar sobre ele porque é um divisor de águas. . O voo é turbulento, os destinos são incertos, as acomodações nem sempre agradáveis. Nesse percurso, o tempo é outro, as companhias amorosas são essenciais e não há rotas certas. É realmente a maior viagem que já fiz, uma viagem que está para além do destino futuro porque a vida é hoje. Uma viagem de buscas internas, de incompreensões, de muita fé e resiliência. . Quando estamos em uma situação assim, nos entendemos finitos e a vida, que é algo intenso e frágil, mostra-se na sua mais pura potência e calmaria dizendo: “estou aqui, repare!”. Entre as mudanças do corpo, há o espelho materializando cada passo que precisa ser digerido lentamente. Mas a vida permanece sussurrando atenta: “estou aqui, repare!”. . Daí, todas as mudanças, efeitos de quimioterapia e marcas vão acontecendo diante da coragem que vem com o desejo de reparar na vida, senti-la, sonhá-la. A chave tem sido sentir o percurso e caminhar devagar pelos dias, observando sutilezas, exercitando o autocuidado, respeitando limites e lendo as entrelinhas. E nesse tempo, que é outro, e nessa poesia, que nem sempre é rimada, a cura se faz no corpo e na alma.
VOLTAR
HÁ NÓS QUE NOS REFAZEM
Denunciar publicação